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Espírito Santo: culto ou folclore? 

 

 

Nos meus tempos de infância, a rapaziada preferia o império da segunda-feira, em Santa Cruz das Ribeiras. O mordomo, emigrante “americano” da Califórnia, passeava-se pelo cortejo ostentando a sua imagem e atirando para todos os lados, punhados de confeitos, que trazia num saco de viagem. Os miúdos apanhavam-nos do chão e, sem qualquer receio, metiam-nos na boca, enquanto as mulheres passavam ligeiras, com açafates de rosquilhas à cabeça. No fim do cortejo, a rainha, a moça mais bonita do lugar, com um lindo vestido comprido branco e capa vermelha bordada a ouro, transportava a corôa do Senhor Espírito Santo, o símbolo mais venerado da Terceira Pessoa Divina.

Santa Cruz, terra de pescadores de atum e de baleeiros corajosos, enchia-se de emigrantes, de gente de toda a ilha, à espera de uma pequena rosquilha que saciava a fome, o ano inteiro, a quem vivia em dificuldades.

Não consta que alguma vez, em algum império e muitos são, tivessem faltado rosquilhas, fosse no sábado do Espírito Santo, na Silveira, no Domingo da festa, na segunda e terça-feiras e no Domingo da Trindade. Há sempre pão de massa sovada para todos seja em forma de rosquilhas maiores ou menores,  pão grande ou bolos de véspera cunhados com símbolos alusivos.

Quem fez a promessa e foi atendido pelo Espírito Santo cumpre-a partilhando a abundância de pão, carne e vinho, com amigos e vizinhos.

Sempre assim foi.

Desde que os picoenses, se viram confrontados com vulcões, calamidades, intempéries, doenças ou dificuldades da vida, suplicam o poder do Espírito e são atendidos. As suas promessas são cumpridas, normalmente com enormes sacrifícios, mas traduzem-se no primitivo gesto cristão, de “dar de comer a quem tem fome”, sem esperar nada em troca.

O verdadeiro culto ao Divino Espírito Santo baseia-se na fé do crente que, em momentos de aflição, suplica a intervenção divina em benefício pessoal ou coletivo.

O pagamento da promessa implica muitos sacrifícios mas  constitui uma forma de agradecimento e de reconhecimento públicos em Deus que ama aqueles que nele crêem.

Esta é a base teológica deste secular culto que não tem conhecido esmorecimento. Para tal, muito tem contribuído os professores do ensino básico, com a realização de rituais e celebrações em tudo semelhantes aos impérios tradicionais. E fazem-no com a colaboração dos pais, encarregados e auxiliares de educação. Para que a tradição não se perca e vá entrando na alma e na fé dos mais novos.

Impõe-se, porém, que as festas do Espírito Santo que durante esta semana se realizam em todas as ilhas, com grande participação popular e uma diversidade de rituais, não se fiquem, apenas, pelas manifestações exteriores.

Reduzir os impérios do Espírito Santo apenas a manifestações de caráter folclórico e etnográfico, é não entender a fé e a religiosidade popular destas ilhas.
Por estes dias, vai decorrer em Angra do Heroísmo, um congresso sobre esta temática.

Seria da máxima importância que a Igreja diocesana refletisse sobre a sua atitude pastoral perante este culto popular que conheceu, num passado não muito recente, casos de excomunhão e de afrontamento para com irmandades que não se submeteram a normas impostas pelo bispado. Essas decisões tomadas com alguma imprudência, geraram mal entendidos e desconfianças que ainda hoje se traduzem no distanciamento e desinteresse de algum clero.

Por que não tomar atitudes pastorais e catequéticas mais integradoras, envolvendo os mordomos e os impérios nas atividades religiosas das paróquias, responsabilizando-os também pela prática constante da caridade e da partilha de bens com os mais necessitados?

O popular culto ao Espírito Santo mantém-se, apesar de algumas apropriações políticas que descaradamente se fazem.

Muito grande é a Fé do Povo destas Ilhas no Espírito Criador, Consolador e Santificador. Por isso insistentemente o invoca: “Veni Sancte Spiritus”!

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